quinta-feira, 22 de maio de 2014

Vida desplugada : 21 dias longe da internet

Ótima reportagem da Revista Info. Fica cada vez mais difícil ficarmos desconectados. Leia e reflita como poderia ser melhor a vida diminuindo a dependência dos dispositivos eletrônicos plugados na internet. 

Em resumo, "Smart Phones, Dumb People"



O ato em si não foi complicado. Às 4 horas da tarde do dia 14 de dezembro de 2013, desliguei o roteador e desativei o sinal 3G do meu celular com o objetivo de passar 21 dias sem internet. O momento fora cuidadosamente escolhido. Com a aproximação do fim do ano, o ritmo de trabalho estava diminuindo. E aquela pareceu ser uma boa época para colocar em prática um experimento a respeito do qual tinha pensado durante a maior parte do ano : descobrir como seria a vida longe do constante fluxo digital com o qual muitos de nós compartilhamos nossa vida.
As primeiras 24 horas foram impossíveis. Tinha preparado uma mensagem automática de email explicando que estaria fora do escritório e pedindo às pessoas que me telefonassem ou enviassem uma mensagem de texto pelo celular. Imprimi algumas semanas de minha agenda no Google Calendar, mas, fora isso, não fiz nenhum outro preparativo.


Mas me vi obrigado a reconectar tudo várias vezes para buscar algo que tinha esquecido. Foi uma experiência esclarecedora perceber quanto de minha vida existia na nuvem: demonstrativos bancários e recibos de minha contabilidade de fim de ano, números de referência das compras que havia feito, telefones, arquivos no Google Docs, e assim por diante. Tinha consignado tudo isso à internet com base na ideia de ter acesso a tais coisas sempre que desejasse. Ao me desconectar, elas ficaram fora do alcance.

Depois de alguns dias, as coisas se assentaram e comecei a reparar numa
mudança na qualidade do meu tempo. Em minha vida conectada, usava a internet para preencher os espaços entre atividades mais importantes.
Respondia às mensagens, lia algo no Gawker ou no Buzzfeed, checava as mensagens (lia na caixa de entrada simplesmente porque estavam ali).
Agora esses espaços ganharam mais significado, em momentos de pausa, relaxamento e reflexão. No ponto de ônibus, em vez de mexer no celular, simplesmente ficava quieto por alguns minutos, como numa sessão mental de ioga. No começo, esses momentos pareciam estranhos e monótonos.

Mas, ao me obrigar a não pensar em nenhum assunto em particular, minha
mente se tornou menos bagunçada e meus pensamentos ficaram mais lentos, delicados e profundos. Questões maiores ocuparam a cabeça, assuntos sobre os quais pensamos durante as férias, mas para os quais parece não haver tempo quando voltamos à rotina ocupada do mundo em que vivemos.
Comecei a levar comigo um caderno para anotar as decisões tomadas nesses momentos - e, desde que comecei a fazê-lo, levei quase todas a cabo.

Também comecei a ver o mundo de maneira diferente. Ao caminhar pela rua sem o celular na mão, passei a observar as coisas com mais atenção e tudo ganhou um foco mais nítido. Não sei explicar o motivo disso. Creio que foi por me concentrar em coisas e pessoas que estavam a 20 metros de mim, e não numa telinha. Mas acho que houve também um efeito psicológico benéfico: ao remover o mundo digital de minha consciência, sem ficar me preocupando em conferir mensagens ou comentários, permiti que meu cérebro se concentrasse muito mais naquilo que estava literalmente diante de meus olhos. As cores pareceram mais vibrantes, e comecei a reparar em detalhes de Londres, minha cidade, nos quais nunca tinha prestado atenção. Era como ser um turista conhecendo um lugar pela primeira vez.


Passei a maior parte do ano passado pensando em nossa relação com a tecnologia. Escrevo para a revista Wired, mas também leciono, em Londres e em São Paulo, na School of Life, que busca ajudar as pessoas a viver melhor. Na School of Life, conheci pessoas que tinham sido negativamente afetadas pelo mundo da tecnologia que a Wired gosta de celebrar.

Veio à minha cabeça uma citação de Henry David Thoreau, filósofo americano do século 19 que observou os inesperados efeitos negativos da primeira Revolução Industrial: "Os homens se tornaram as ferramentas de suas ferramentas". Inventamos algo e, em seguida, nos tornamos escravos dessa invenção. Agora, passado um quarto de século desde o início da revolução industrial digital, parece que estamos cometendo os mesmos erros.

Não que os humanos sejam burros, longe disso. Mas parece que podemos ficar tão animados com a chegada de uma tecnologia a ponto de acharmos prudente nos envolver com ela sem questiona-la, ainda que ela piore nossa experiência de vida. Durante os 21 dias que passei desplugado, percebi isso especialmente na hora de ouvir música.

Sou um grande fã do Spotify. Adoro sua jukebox infinita e o fato de pensar numa música e tê-la à disposição quase imediatamente em meu computador. Costumo passar de uma faixa para outra, seguindo as recomendações dos outros ou usando o recurso Radio, para conhecer novos artistas.
Apesar de gostar disso, se pensar bem, é difícil lembrar de muitos nomes de novos artistas, e não creio que tenha ampliado meu acervo musical.
Em vez disso, ouvi um grande número de músicas em ordem aleatória.
Desplugado, tudo isso ficou indisponível para mim, e tive de redescobrir meus CDs. Por um azar do destino, o botão de avançar as faixas de meu toca-CD estava quebrado, e só era possível escutá-los do começo ao fim, como fazíamos com o Vinil. Essa foi uma descoberta surpreendentemente agradável e um hábito que mantive ao lembrar que podia ouvir CDs (e escolher as faixas) em meu computador. Em vez de pular de música em música, às vezes antes de esperar que a faixa terminasse, deixei o disco tocar inteiro, ouvindo as músicas na ordem que a banda, o compositor ou o produtor tinham se esforçado para determinar.

Às vezes me sentia impaciente, esperando uma recomendação de artista semelhante, tão comum na internet.
Mas isso era facilmente compensado pelo prazer de vivenciar algo que não
havia passado por uma "curadoria" para empregar esse horrível termo online, mas por alguém de talento que tinha pensado bastante a respeito da ordem das faixas, uma seleção feita por um ser humano, não um algoritmo.

Na segunda semana, mal percebia que não estava na internet. Nas ruas, gostava de não ter o Google Maps e, assim, redescobri uma habilidade que tínhamos antes de os smartphones se tornarem onipresentes: planejar um caminho num mapa e manter o roteiro na cabeça enquanto andamos pela
cidade. Ao pensar nas jornadas dessa maneira - em vez do fragmentado
“vire à esquerda", "vire à direita" do GPS -, a geografia de minha cidade ganhou vida novamente, preenchida de significado. Voltei a pensar em termos de norte, sul, leste e oeste, pontos de referência e distâncias, e na cidade como um todo. As jornadas voltaram a se parecer com aventuras. em vez de caminhos monótonos e necessários entre os pontos A e B. A redescoberta da capacidade do cérebro de reter uma geografia complexa foi oportuna ao chamar a atenção para as maravilhas do fantástico sistema operacional que temos em nossa cabeça, algo que parece fácil de esquecer em meio à obsessão por velocidades de processamento e algoritmos de análise de dados.

O psicólogo americano Martin Seligman aprofundou seu interesse por aquilo que ele chama de talentos humanos fundamentais - os aplicativos, por assim dizer, que rodamos em nosso cérebro e comandam características como criatividade, curiosidade, coragem e liderança, coisas que a tecnologia não oferece. Percebi que, ao me afastar da internet, dei a mim mesmo uma oportunidade de redescobrir esses talentose cultivá-los dentro de mim.

O fato de não olhar para o telefone ao conversar com alguém significou que meu interlocutor recebeu toda a minha atenção e, como resultado, as conversas foram mais profundas e satisfatórias. Ao debater uma dúvida com um colega em vez de correr para o Google em busca da resposta, eu e ele ganhamos em conhecimento e perspectiva. Ao deixar a internet de lado, redescobri que nós, humanos, somos na verdade bastante espertos.

A ausência do Google foi a diferença mais perceptível durante os 21 dias que
passei desplugado. Fiquei chocado ao perceber quanto usava o Google - e,
consequentemente, quanto senti falta dele. Não apenas de ferramentas como
Gmail, Google Docs e Google Calendar, mas do próprio mecanismo de busca.

Nos primórdios da internet, empresas como Compuserve e AOL tentaram criar portais por meio dos quais os usuários acessariam uma espécie de Versão filtrada da rede, com curadoria feita por elas. Mas essas empresas não duraram muito e, com sua derrocada, celebramos o fato de a possibilidade de “cercar" a internet ter sido afastada para sempre. Mas, de alguma maneira - talvez graças à sutileza do fenômeno - permitimos que o Google fizesse exatamente isso. Foi somente quando não tive o Google ao alcance que me dei conta do quanto a página inicial de busca era meu ponto de partida habitual para uma pesquisa na rede. E se o Google decidir não me mostrar determinado site ou informação em resposta ao que estou buscando dificilmente notarei a omissão.


Quando Voltei a me conectar, 21 dias mais tarde, a primeira coisa que vi foi um link do Buzzfeed que alguém tinha me mandado, cheio de manchetes
hilárias dos jornais britânicos de menor circulação. Costumo gostar dessas
coisas - ajudam a passar o tempo e são bastante engraçadas. Mas, por ter ficado distante delas, minha expectativa em relação à internet tinha aumentado e percebi que desejava mais do que humor reciclado e fotos de gatinhos.

Percebi que podia controlar muito mais aquilo que Via na internet e aquilo que optava por ignorar, desenvolvendo com a rede um relacionamento mais comedido e maduro.
A nova relação com o tempo que desenvolvi por não estar plugado é algo
que quero preservar. E gostei de ter na cabeça coisas como o mapa da cidade.

Essa foi a verdadeira lição do tempo longe da rede: o mundo real é incrível, mas pode ser facilmente eclipsado por sua chamativa contraparte digital que está constantemente exigindo toda a nossa atenção. Creio que chegou a hora de colocar a internet no devido lugar, como uma ferramenta que usamos para fazer coisas incríveis, mas, ainda assim, apenas uma parte de um mundo mais amplo que ao ser redescoberto, revela-se igualmente estimulante e animador.


Fonte: Revisto INFO - Março 2014 - Páginas 58 a 63

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