quinta-feira, 24 de maio de 2012

O lado B da Receita Federal



A carioca Maria Júlia Gomes, de 80 anos, foi uma das 700 000 pessoas que caíram na malha fina do imposto de renda em 2010. A grande quantidade de recibos médicos levou a aposentada às garras do Leão. A convocação para comprovar os gastos parecia procedimento de rotina; nada, afinal, que pudesse causar grande transtorno a Maria Julia.
Mas havia um auditor da Receita Federal no caminho da aposentada — ele não aceitou as provas e encaminhou o caso para a Justiça. Durante dois anos, Maria Julia ficou devedora do Fisco em 40 000 reais. Só em fevereiro deste ano, após a contratação de advogados e a ida a cinco audiências na Justiça, a disputa chegou ao fim, com a suspensão do débito.

Ficou comprovado que os recibos médicos de Maria Julia eram verdadeiros e que o dinheiro havia sido usado para o tratamento de uma doença. O caso acabou sem que a aposentada recebesse sequer um pedido de desculpas pelo inconveniente.
É o lado tirânico de uma das máquinas de arrecadação mais eficientes do mundo, movida por 37 000 funcionários altamente qualificados. A Receita brasileira investe mais de 100 milhões de reais por ano — quase tudo em tecnologia e em sistemas de cruzamento de dados criados especialmente para pegar potenciais sonegadores.
O primeiro programa eletrônico de declaração de renda foi criado há 21 anos. A entrega pela internet passou a ser aceita em 1997. São, sim, facilidades também para o contribuinte. No ano passado, os formulários em papel foram abolidos, fato inédito no mundo. O Sistema Público de Escrituração Digital, voltado para as obrigações contábeis e fiscais das empresas, entrou em atividade há cinco anos.
Até 2014, a Receita vai renovar o maquinário e instalar programas mais poderosos de cruzamento de dados. Os 25 milhões de contribuintes que começaram a entregar as declarações no início de março passarão por um processamento mais eficiente na identificação de falhas.
Em 2012, com um aumento esperado de 8% na arrecadação, o Fisco deve superar pela primeira vez a marca de 1 trilhão de reais fisgado de empresas e cidadãos no prazo de um ano.
Infelizmente, para os burocratas da Receita, arrecadar é apenas parte do trabalho. Prestar serviço ao contribuinte que precisa do órgão é outra. E é na ultrapassagem da fronteira entre o “receber” e o “dar” que toda a modernidade da Receita desaparece.
Nos quase 360 postos de atendimento do órgão ainda predominam os enroscos, a má vontade e a presunção de que o contribuinte é culpado até que se prove o contrário. “A Receita Federal é muito boa na parte da arrecadação, mas burocrática quando o contribuinte precisa dela”, diz o economista Raul Velloso.
Os exemplos são abundantes. Na delegacia alfandegária do porto de Santos, qualquer deslize, por menor que seja, no preenchimento de documentos é castigado com máxima severidade. A punição para quem precisa corrigir uma informação é ir para o final da fila e aguardar até dois anos para desembaraçar a carga.

Um contribuinte carioca (que não quer ser identificado com medo de sofrer represália) devia 8 000 reais em imposto, mas recolheu 12 000 por engano. Quando foi ao posto da Receita pedir a devolução da diferença, o fiscal lhe respondeu que, por causa do erro, o débito de 8 000 reais continuava aberto.
O contribuinte foi informado de que precisaria pagar o valor correto e procurar a Justiça para recuperar o dinheiro pago por engano. Dois anos depois, ganhou a causa e recebeu 3 000 reais por danos morais.


Novos problemas
O uso da tecnologia no atendimento ao contribuinte é recente e ainda tímido. Até dois anos atrás, escritórios de contabilidade e de advocacia enviavam estagiários antes das 5 horas da manhã aos postos da Receita para garantir o recebimento das poucas senhas de atendimento — no Rio de Janeiro, existiam os profissionais da fila, que cobravam 40 reais por uma vaga.
Hoje, as senhas são obtidas pela internet — mas um novo problema foi criado pela burocracia. Cada senha permite o acesso a só um serviço. O que antes era resolvido em uma visita agora pode levar mais de um mês em muitas idas e vindas. Uma rede de restaurantes buscou informações sobre seus débitos fiscais.
Na hora de pedir o parcelamento da dívida, foi comunicada que teria de agendar novo retorno. “Cada agendamento leva dez dias e trava uma solução que levaria poucas horas”, diz Pedro Casquet, da banca Timoner e Novaes Associados. Ao contribuinte resta esperar que a eficiência vista na arrecadação um dia também o beneficie.


Fonte


Um absurdo !


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